Sou como você me vê

Sou como você me vê…posso ser leve como uma brisa ou forte como uma ventania, depende de quando e como você me vê passar…suponho que me entender não é uma questão de inteligência e sim de sentir, de entrar em contato…tenho uma alma muito prolixa e uso poucas palavras, sou irritável e firo facilmente. Também sou muito calma e perdoo logo.

Não esqueço nunca. Mas há poucas coisas de que eu me lembre…Tenho felicidade o bastante para ser doce, dificuldades para ser forte, tristeza para ser humana e esperança suficiente para ser feliz. Não me deem fórmulas certas, porque eu não espero acertar sempre. Não me mostrem o que esperam de mim, por que vou seguir meu coração. Não me façam ser quem não sou. Não me convidem a ser igual, porque sinceramente sou diferente. Não sei amar pela metade. Não sei viver de mentira. Não sei voar de pés no chão. Sou sempre eu mesma, mas com certeza não serei a mesma para sempre…Sou uma filha da natureza: quero pegar, sentir, tocar, ser.

E tudo isso já faz parte de um todo, de um mistério.

Sou uma só… Sou um ser… a única verdade é que vivo.

Sinceramente, eu vivo.

Clarice Lispector

“Sou como você me vê. Posso ser leve como uma brisa ou forte como uma ventania. Depende de quando e como você me vê passar.” Essa afirmação é da escritora e jornalista ucraniana Clarice Lispector. A frase traz uma reflexão sobre como nos vemos e os outros nos veem, e que, por vezes, é diferente do que somos de fato. Nesse contexto, nas relações profissionais, por exemplo, nem sempre atendemos às expectativas, o que gera frustrações para ambos os lados, para quem entrega e para aquele que recebe.

Isso, seguramente, em decorrência da nossa percepção individual, dos nossos vieses e excesso de conhecimento ou falta dele. As nossas experiências pessoais e profissionais tendem a indicar o melhor caminho para a realização de um trabalho e indicar uma solução aos clientes. Por outro lado, assim como nós, o nosso parceiro ou cliente também tem o próprio discernimento do que lhe parece ser a melhor, ou seja, mesmo com a certeza da melhor entrega, quem recebe nem sempre compartilha da mesma percepção.

A partir de uma experiência pessoal, comecei a refletir sobre essa questão. Em tempos de pandemia, por conta das restrições sociais, muitos precisaram se adaptar em relação às atividades do cotidiano, como a ida ao cabeleireiro ou ao barbeiro. Como no meu caso, que decidi cortar, pela primeira vez, o cabelo do meu filho. Fiz o meu melhor e pelo resultado tive a certeza de ter realizado um excelente trabalho; contudo, ao finalizar notei nitidamente o descontentamento dele.

No primeiro momento, não compreendi o motivo do aborrecimento, uma vez que o corte ficou muito bom e alinhado. Mesmo orgulhoso do meu feito, questionei o que o teria entristecido. Ele me respondeu que esperava a finalização do corte. Quando vai ao cabeleireiro, o profissional que o atende já sabe que ele é fã de dinossauros, e finalizava o visual modelando o cabelo dele com gel em formato de escamas, assim como os animais jurássicos. Por um lado, eu estava certo de que fiz o meu melhor, mas isso não foi suficiente para atender à expectativa do meu filho. Falhei no detalhe e, nesse caso, todo o esforço anterior tornou-se irrelevante.

Esse relato pode nos trazer reflexões e aprendizados no mundo imigrante, sentimental ou no campo profissional, atuamos, em nossa maioria, focados na entrega e certos de oferecer o melhor serviço ou solução. Contudo, nem sempre o que julgamos ser o melhor ou a parte mais importante é o esperado por quem demanda. Às vezes, pode ser no detalhe o caminho para nossas maiores conquistas.

“Amplie sua visão, não apenas lendo livros, mas olhando sob a ótica dos outros”.

“Clarice Lispector, uma imigrante, com o silencio na solidão, a estranheza no estrangeiro, o medo na escuridão”.

Reprodução adaptação e tradução por

Val F Allstarpixel

fontes:

The New Yorker 

 

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